quinta-feira, julho 10, 2008

Para a Marisa – Afonso Vilhena

Todo o ser humano é um abismo profundo de si próprio. Passamos a vida, a maioria dela, pelo menos, a tentar encontrarmo-nos, e quando o conseguimos – se o conseguimos de todo -, é para voltarmos novamente a perdermo-nos, como num jogo de cabra-cega. Já estive nessa situação tantas vezes, e de todas consegui voltar a mim, bastando para isso olhar bem para dentro e permitir-me sentir com toda a intensidade, com toda a dor, com toda a violência possível, todos os sentimentos que estavam tolhidos bem no âmago do meu ser, até eles se soltarem e eu voltar a ser apenas eu, livre, renascido, feliz. É por isso que volta e meia a solidão se torna um imperativo, o recolhimento uma necessidade, a quebra de contacto com o mundo exterior um dever e uma obrigação. Desses momentos – que chegam a durar meses – resultam também folhas escritas que encerram os pedaços mais íntimos e secretos da minha alma, pois ao lê-los descubro sempre algo de novo a acrescentar à minha auto-definição.

Ah, Marisa, como eu quero que compreendas isto! Nunca me escondi de ti. Esperei que descobrisses os espaços em branco daquilo que não te contei, para que tu própria me pudesses definir à luz dos teus olhos, da tua alma, mas não, não me escondi de ti. Também tu deixaste espaços para eu preencher à medida que te conhecia, e são esses os mais bonitos, os mais especiais, aqueles que guardarei para sempre: a forma doce e inconsciente como colocas o cabelo atrás da orelha quando os teus olhos brilham de admiração por algo que consideras belo, como um pôr-do-sol no mar ou a neve a cobrir uma montanha; o calor do aconchego dos teus braços, que parece dizer “Eu estou aqui, sou tua”, mesmo que com o teu jeito meio envergonhado nunca o tenhas dito tão abertamente; o teu ritual de olhar para trás a ver se te esqueceste de alguma coisa quando sais de casa, do café, do cinema…

Mas tens de entender. Preciso que entendas. Faço parte de um mundo em que as coisas não são a preto e branco, em que a realidade é algo muito subjectivo… um mundo que nem todos aceitam ou compreendem. Não tens de gostar desse mundo por eu fazer parte dele, não quero que mostres interesse se ele não for genuíno, e não vou falar-te dele enquanto não me perguntares. Aceito-te como tu és, como um campo de trigo aceita uma semente que, transportada pelo vento, ali encontra o seu lugar e, ao desabrochar, se revela uma flor. Portanto, não se trata de ti, mas sim de mim.

Pedi-te um tempo porque precisava de olhar para dentro de mim, de compreender os sentimentos, as experiências… e sim, porque precisava de precisar de ti, de sentir a tua falta. Talvez o tempo tenha sido demasiado para ti, talvez esta carta encontre apenas o vazio no teu coração, mas esta é a altura certa, a única em que te poderia dizer isto.

Marisa.

Estou aqui. Sou teu.

1 comentário:

Anónimo disse...

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