quinta-feira, outubro 27, 2005

De partida do prédio...

Nem acredito que acabou... Um amor que eu tinha a certeza que iria dar tanto. Parece que as nossas certezas em relação a estes sentimentos são muito relativas... Estou triste... Sem dúvida que estou triste... Não percebo bem o que aconteceu... O que eu percebo é que não estou bem aqui... Tenho que me ir embora. Não suporto encontrar-te no elevador e saber que tudo aquilo porque nós passámos estes últimos meses acabou. Não, tenho que me ir embora...

Pego na chave e empurro a mala até à porta aberta do apartamento. Olho uma última vez para o meu quarto/sala/cozinha, do qual tenho infinitas recordações destes últimos meses. Os meus olhos atravessam os vidros da janela e ficam paralizados pela vista que o 10º andar proporciona sobre a cidade. Lentamente, baixo o olhar que vai pousar sobre a cama... Fecho os olhos. Viro-me, pego na mala, saio, fecho a porta à chave e meto-me no elevador. Desço até ao patamar de entrada. Não vejo ninguém. Tenho o caminho miraculosamente deserto de moradores. Meto a chave na caixa de correio da D. Margarida e saio... Provavelmente para sempre...


Comuniquei à "mar" por mail as minhas razões da saída do blog, que se prendem, essencialmente, com a falta de disponibilidade para participar nele e, muito mais, para tomar conta dele. Neste momento, a administradora é a "mar", mas se o entenderem, podem escolher outro administrador. Continuarei a acompanhar o blog como visitante sempre que tiver disponibilidade para tal. Como disse à "mar", este é, na minha opinião, um blog com potencial se for agarrado da melhor forma e dinamizado ao máximo. Eu tinha algumas ideias, mas faltou-me o tempo para as pôr em prática. Resta-me desejar que vocês o consigam fazer, pois, nitidamente, este blog precisa de mais dinamismo!

Um grande abraço a todos aqueles que comigo trabalharam neste projecto do qual agora me retiro,

MrX

domingo, outubro 09, 2005

Luana - Aprendendo a Renascer

Tentei reorganizar a minha vida aos poucos, lentamente, como quem esculpe com precisão os ponteiros do tempo. Empenhei-me na faculdade, comprei algumas coisas para a minha casa e, sempre que posso, brinco com a filha da nossa porteira, D. Margarida, e deixo-me invadir pela inocência da infância.
“…
- Deixas-me pentear a tua boneca?
- Deixo, mas se vamos brincar eu é que sou a mãe, pode ser, senhora?
- Então vou portar-me muito bem para depois tu me leres uma história!
- Ah, não! Então tu lês, está bem, senhora?
…”
Continuo à espera de fazer mais amigos aqui no prédio… gostava de ter uma amiga com quem conversar, sair, distrair-me um pouco, mas cada vizinho meu parece estar embrenhado nos seus próprios problemas e eu tenho medo de fazer uma abordagem em altura menos própria…
Não esqueci o que se passou com o meu vizinho naquela noite. Tive vontade de lhe pedir desculpas vezes sem conta, esperava que me batesse à porta e ficava triste quando ouvia os seus passos afastarem-se após breves momentos de hesitação... como agora. Senti que ele podia ser um amigo, que procurava tão desesperadamente quanto eu uma réstia de luz à qual se agarrar com todas as suas forças. O outro, o Sr. Ernesto, esqueci completamente. Ou talvez não. Se por acaso me cruzo com ele ergo a cabeça e passo sem o olhar; adivinhei-lhe na alma a vontade de não me querer voltar a ver, e eu também não quero. Melhor assim.
Acendo a televisão… nada de jeito. Pego no caderno para escrever qualquer coisa, qualquer coisa que ainda não sei o que vai ser, mas nesse momento ouço a campainha tocar.
Era ele. O meu vizinho. Não disse nada; abraçou-me simplesmente, e esse abraço continha palavras que não se podem escrever e significados que não se traduzem em palavras. Convidou-me para jantar. Descemos as escadas devagarinho e passeámos pelas ruas como dois amigos que se conhecem há muito tempo. Escolhemos um restaurante sossegado e falámos… ele sobre o trabalho, eu sobre a faculdade e a escrita. Depois fomos a um bar. Sentámo-nos na mesa do canto, mais reservada, e a certa altura ele perguntou-me:
- E o que queres fazer agora, Luana? Quais são os teus projectos?
- Quero ser feliz – disse, sorrindo. – Há alturas em que eu continuo a acreditar que isso pode acontecer.
- Como agora? – perguntou ele.
- Sim, exactamente como agora. E tu?
- Eu quero aprender a acreditar como tu.
Nessa altura, passaram por nós dois homens. Um deles, que reconheci perfeitamente, piscou-me o olho e disse para o outro:
- A Lana. Hás-de experimentar a gaja, pá. Aquilo é…
Não ouvi o resto.
- Vamos embora, Pedro? Estou a ficar cansada; já é muito tarde e ainda tenho de estudar.
Ele levantou-se e saímos. Não sei se ele ouviu aquele comentário, ou se percebeu pela semelhança nos nomes e pelo olhar que o homem me lançou. Se ouviu, não comentou, e eu não tive coragem para perguntar.
Entrámos no prédio, subimos as escadas e despedimo-nos com um abraço. Eu queria convidá-lo a entrar, mas tive receio. Por mim. Por ele.
Quando a porta se fechou, os passou dele não se afastaram logo. Senti-me renascer, de certa forma, e percebi que estava a sorrir. Fui até à janela e olhei a lua. Fui invadida por uma sensação de calma que já me era estranha há muito tempo…
Até amanhã, meu amigo”.

Ernesto Saraiva perde-se/renova-se

Noites em Claro

Esta noite voltei a sentir a presença do meu filho nos meus sonhos. Já não durmo há noites. Provavelmente demasiadas. Já não conheço a paz que é suposto um homem poder prever para que lhe seja possível dormir uma noite calma e sossegada. No meu leito só me recordo do do meu filho. O meu filho que jaz noutro sítio mais calmo. No interior de um féretro de pinho. E também me recordo que a mãe dele e o pai dele nunca tiveram muito em comum. Apenas aquele ser que os unia presos a um laço invisível que era a paternidade e a maternidade assumidas como compromisso incontornável. O pai alimentava e cobria o filho. O pai desejava que o filho pudesse crescer sadio e brilhante. O pai perdeu o filho logo desde o princípio. O filho perdeu-e para a imagem da mãe. Da mãe sempre presente. Por isso não foi agora que eu perdi o meu filho. Perdi sim naqueles momentos em que não estive lá para o ver crescer. E sempre que estava lá nunca fazia nada para o recuperar. E como recuperar algo que nunca nos pertenceu? Por isso desisti. O que queria era um filho à imagem do pai. Mas o filho quis ser a sua própria imagem.
No entanto, o pai e a mãe partilham agora algo muito diferente e muito mais intenso. A Dor. Como é que numa questão de segundos o sentido de Dever é substituído por um sentido de Dor? Isso agora intriga-me. E faz-me pensar. E acabou definitivamente e indefinidamente com as minhas noites de sono pesado. E como é que um momento entre o presente e o futuro procura (e consegue) mudar de forma tão radical e oposta o que dois seres humanos possam sentir?

Monólogo perante Alberto

Já fui ter com ele tantas vezes. Com o meu filho. Com aquele que toma agora rescaldo talvez prematuro. “Abriste-me os olhos por momentos”. Disse-lhe. “Nada do que me pudesses ter dito em vida poderia mudar algo em mim. Só isto conseguiu fazer-me pensar. Sabes que primeiro tive raiva de ti. E só depois comecei a ter consciência da situação. Do que me fizeste pensar. Sim. Do que me fazes agora pensar. E eu não tenho medo de morrer. De desaparecer num vácuo. O meu maior receio é perder a vida de vista. Não procurar o que é verdadeiramente importante. Mas foda-se. Descobri que tu eras importante. Que tu foste real. Mas que rio de lamechices. Não é verdade? Deves estar a pensar que sou um merdoso que só diz asneiras e que é mais fácil sentir agora estas coisas. Raios. O que é que te posso dizer mais? Posso dizer-te que morri e que só agora gradualmente volto a respirar com a sensação de que perdi uma perna ou um braço. Posso dizer-te que me arrependo do que não fiz. Posso dizer-te que já se faz tarde. Que morreste. Que não sentes frio. Não sentes calor. Que não podes sentir desejo. Amor. Raiva. Sim. Raiva ou desprezo. Por mim. Posso dizer-te que é inevitável sentir-me assim. Posso dizer-te que vou sentir a falta do que não vivi contigo. Daquilo que perdemos. Do comum que poderíamos possuir e da possibilidade que se esvaiu numa poça atolada de sangue que se foi formando numa estrada mal iluminada. Posso dizer-te adeus. Posso dizer-te que isto não fica por aqui. Que isto vai perseguir-me para o pouco que resta da minha vida. Posso dizer-te só te amei agora. Posso dizer-te Adeus.”

O elo com o passado recente

Estou a viver definitivamente no meu 6º andar Dto. A minha mulher e eu sentimos que depois da morte do Alberto era impossível manter qualquer con-vivência. Mas não vamos divorciar-nos. Separação de facto é um estado superior ao divórcio. E se eu morrer amanhã ela herda o que tenho. E assim ela fica feliz. Ao menos que eu consiga fazer alguém feliz. E hoje trouxe o resto das minhas coisas para cá. Nunca pensei que nesta idade tivesse de enfrentar este género de mudanças. Trinta anos que se quebraram. Cada um no seu lado. Vinte e seis anos. Debaixo da terra. Preciso pensar. Mas antes tive de encontrar algo que seria o meu elo de segurança. Que pudesse suportar as adversidades do tempo. O meu andar. Foi isso que pensei que poderia ser o meu elo. E aqui estou eu. No meu andar agora permanentemente habitado.



sexta-feira, outubro 07, 2005

Escadas, coisa de quem não tem pressa.

(Obs.: Para melhor compreensão, post do seguinte link: http://historiasdopredioaolado.blogspot.com/2005/09/luana-e-pedro-copos-no-5-andar.html )
Forasteiro. Por fim moldado ao facto de estar sozinho. Se calhar um pouco mais forte do que pensava ser. Chego mais uma vez do trabalho, fim de tarde... em mais uma correria para o meu 5º esquerdo, agora o meu ninho.
Fecho sempre a porta a... a controlar o impulso de te ir bater á porta, Luana. Ainda tanta coisa por perceber... deixo-me cair no sofá. Inércia, por fim desistia de a combater. Deixando-me cair, morto.
Algumas palavras ecoavam no pensamento..."...então o mundo não se fechou para si. Viva-o. Sinta-o.". Palavras estas ordenadas pelo que eu queria ouvir, por uma mística. Preparo um whisky... ligo a aparelhagem e coloco o cd de Chris Isaak... "Black Flowers", era a música.
Eu percebi tudo o que ela me disse, eu compreendi cada palavra envolva num mundo maior que o dos homens térreos. Saí queria falar-lhe... alguma coisa.
Senti o meu passo acelerado, bati-lhe á porta, ela abriu... como já o tinha feito uma vez. Da mesma forma, com o mesmo gesto, o movimento... o mesmo príncipio e fim. Não a deixei falar e abracei-a...
-Nem sempre a Lua está lá... nem sempre. - apertou-me.
-Peço desculpa pela noite em que cá esteve...
-...estiveste. - sorriu e continuou sem corrigir.
-...pelo o que aconteceu, não era minha intenção mandá-lo embora. Nem fazer-te sentir mal, mas eu não estava bem.
-De que está a falar?! - exclamei e sorri. Fiz o convite para que descesse comigo para jantar.
Olhares que não posso deixar de soltar, inerentes á minha natureza... sentia prazer em olhá-la nos olhos. Só esperava presença, só esperava uma amizade, só esperava o que germinasse e o que brotasse da terra.
Aceitou e pediu um momento, perguntou-me onde iamos.
-Descemos e caminhamos sem destino. -sorriu.
Dei meia volta e fui-me arranjar.


Nessa noite não usamos o elevador, descemos as escadas. Coisa de quem não tem pressa, nem medo de se cansar. Descemos as escadas, sem destino... ou talvez com um, talvez com dois, mas distintos.
Chegados á rua... para que lado?, perguntavamo-nos. Para cima, que é coisa de quem não tem pressa, nem medo de se cansar.
-Tens fome?...

Anúncio de desaparecimento estranho

Vimos por este meio informar a administração do Prédio que, por desaparecimento estranho e sem razões lógicas aparentes, a inquilina do 7º Esquerdo abandonou a Terra.

Uma vez que se tratava de uma pessoa sem ligações conhecidas a qualquer outro ser vivo na Terra, o andar fica ao cuidado de quem o quiser cuidar.

Informamos, ainda, que a inquilina, gostaria muito de deixar as suas peças de estimação, tais como âncoras, redes, bóias de sinalização, garrafas, velas, fotografias subaquáticas, reguladores e outros, à inquilina do andar não sabido, de seu nome Mohini (? solicitamos à administração do Prédio que confirme a existência e sobretudo o nome desta pessoa). Esta senhora poderá fazer de todos esses objectos o que melhor lhe aprouver.

Este anúncio foi publicado neste dia e neste local por não existirem outros anúncios desde o dia 04 de Outubro do corrente ano e de não se saber quando isso iria acontecer. As Autoridades Marítimas agradecem a atenção e a boa compreensão para o facto.

terça-feira, outubro 04, 2005

Crónica de uma morte anunciada

Diziam que não sabiam quem era...

Sempre lhe disseram e confirmaram que um dever a prendia ao Mar. Algo do seu passado, de uma possível existência noutra era, alguma coisa fez e ficou presa. Sempre lhe disseram que a chamavam e um dia não resistiria ao chamamento. Acreditava que era ele que a aguardava. Propuseram-lhe feitiços, pagamentos, pediram-lhe que se soltasse... nunca quis. Não porque não acreditasse no dever que a prendia, ou que não acreditasse na força do pagamento. Mas porque sentia que estava escrito que nunca deveria fugir a esse chamamento.

O outro, o que ficava em Terra era de Vento. Ela era de Água. Lá no meio do Verde onde foi sentida uma vez, disseram-lhe "nunca". Nunca se encontrariam neste Universo. Viviam, partilhavam, mas não se misturavam. Porque, ela, que era de Água, não podia fugir do outro que do Mar a chamava.

Um dia, entrou no Mar. E nunca mais voltou. Não era deste mundo, não lhe sentirão a falta. Morreu da morte mais aflitiva, a dos pulmões que se enchem de água, mas morreu nos braços dele. E, então, morreu feliz e em Paz.

dever: algo em nós, de espiritual mas que se demonstra de uma forma muito palpável, e que, segundo as tradições santomenses, nos prende a alguma coisa que provocámos no passado ou numa outra vida. Algo que, se não for pago, nos prenderá a uma existência perturbada e nunca completa. Para mais informações, ir a São Tomé ou à Quinta do Mocho e procurar um espírito aberto.