sábado, novembro 15, 2008

BAHIA E ORIXÁS

Levantei-me. Estava furiosa. Dei meia dúzia de voltas pelo pequeno jardim. Passei por casa da Margarida e bati à porta.
- Calma! Onde é o fogo?!
- Desculpa...bati com muita força?
-Xiiii!... Que é que se passa? Já vi que estás a precisar de um dos meus chás de frutos vermelhos...
Segui-a até à cozinha sentando-me num dos bancos altos - Palerma... maluco... convencido... idiota...mentiroso...covarde...
- A quem é que se referem todos esses mimos?
- Ao asno do Afonso.
- Que é que ele te fez?
- Nada.
- Nada?!- Nunca me contaste o que se passou no Brasil... partiram os dois tão felizes para voltares sozinha e infeliz.
- Nunca te contei porque queria esquecer... Os primeiros tempos foram maravilhosos. Salvador é uma cidade muito bonita e a Bahia não lhe fica a dever nada. As praias, quase desertas, da costa do cacau, de Dendê, dos Coqueiros, dos Descobrimentos, as imensas pequenas ilhas da Baía de Todos os Santos, as cachoeiras da chapada Diamantina, Lençóis... e a cidade de S. Salvador da Bahia?! E o pôr-do-sol junto ao Forte?! Tudo tão bonito, tão perfeito... Passado algum tempo começámos a frequentar o terreiro das mães de santo. O Afonso sentia-se fascinado pela mistura do cristão e do pagão, das cerimónias brancas realizadas pela noite povoada de orixás. A principio íamos os dois mas, como eu sou um bocado descrente e as cerimónias, para mim, não passavam de folclore, o Afonso começou a sentir-se pouco à vontade com a minha presença. Achei melhor deixar de o acompanhar nessa parte do seu mundo. É verdade que nunca me pediu que o fizesse mas também nunca insistiu para que o acompanhasse. Pareceu-me, até, ficar grato quando lhe comuniquei que não voltaria com ele aos rituais. Chegava altas horas e, não raramente, quando eu me estava a levantar para uma qualquer excursão. Deixou de ir comigo. Andava cansado. Necessitava de dormir durante o dia. Certa vez, em que voltei ao apartamento porque a excursão tinha sido cancelada por o mar estar com ondulação não apropriada à pequena embarcação que nos iria levar até ao Morro de S. Paulo, encontrei-o a dormir com duas jovens. Acordou estremunhado quando me sentiu entrar dizendo que não era aquilo que eu estava a pensar. Fiz as malas e voltei nesse mesmo dia para Portugal.

Marisa

quarta-feira, novembro 12, 2008

O JARDIM

Continuava deitada no meu balancim aproveitando os últimos raios de sol do entardecer. Os olhos fechados e o pensamento divagando para longe. Assustei-me quando o cão rosnou baixinho
- Incomodo? - Abri os olhos. O Afonso, na minha frente, fixava-me - Posso?
- Claro. Tens aí uma cadeira.
- Fizeste um belo trabalho aqui?
- Fiz?! Como é que sabes que fui eu?
- Foi a D. Margarida que me disse quando tentou converter-me a usurário da tua caixa de compostagem.
- A melhor embaixadora da caixa! - ri-me - Convenceu quase todos os habitantes do prédio a contribuírem com os restos das suas cozinhas. Tudo o que cresce aqui, neste jardim, é fruto da minha agricultura biológica. Nada de adubos químicos ou pesticidas.
- Para que são estes canteiros no centro?
- Para as plantas que cresceram demasiado, dentro das casas e, das quais as pessoas se queiram desfazer.
- Boa ideia!... O teu cão continua a rosnar-me... desde aquele dia em que nos embrulhou no hall... (para sempre)
- Que disseste?
- Nada - levantou-se ficando muito próximo. De repente pensei que me ia beijar mas... deu meia volta e saiu.

segunda-feira, novembro 10, 2008

AMIGOS

Desci as escadas vinda, mais uma vez, de casa do Mário. Passei à minha porta e ouvi o cão ladrar mas segui caminho. Apetecia-me um café a sério ( o Mário continuava a servir café de cafeteira). Não fiquei muito tempo. Sentia-me inquieta. Há algum tempo que andava assim... Voltei a casa, peguei numa garrafa de água e voltei a sair com o cão atrás. Fui até ao jardim das traseiras e estendi-me no balancim. Estava calor. Fechei os olhos... Desde que o Mário se mudara para o prédio havíamo-nos tornados inseparáveis. Passávamos horas a conversar. Aos poucos fomos descobrindo que, apesar da diferença de idades, tínhamos imensas coisas em comum. Éramos amigos embora, por vezes, tenhamos tido a tentação de ir mais longe. Havia algo que me impedia de prosseguir. Custava-lhe entender(acho que a mim também). Talvez tivesse medo de perder aquela amizade, que ao encetar um outro caminho esse não tivesse retorno. Sabia que não queria perder aquele amigo, isso, eu sabia...