domingo, junho 26, 2005

Intervalo no estudo

Dou voltas e voltas ao Atlas de Anatomia para tentar compreender a disposição do peritoneu. Estou farto de estudar para os exames! Será que isto nunca acaba! Nunca mais chega Agosto! Ainda nem tive oportunidade de dar um salto à praia!
Desesperado, fecho o livro violentamente e inclino-me para trás na cadeira. O que fazer? Preciso de desanuviar… Levanto-me e pego nas chaves de casa. Abro a porta e apanho o elevador. Vou ver a Liliana. Também deve estar a estudar para os Exames Nacionais. Saio no 2º andar e toco-lhe à porta. Ouço, do outro lado, a voz da Madalena a perguntar quem é.
— É o Mário… — respondo eu.
Ela abre a porta e cumprimenta-me sorrindo.
— A Liliana está no quarto — diz-me, piscando o olho num ar de cumplicidade. Eu sorrio e digo:
— Mas quem é que te diz que é ela que eu venho ver?
— Oh! Deixa-te de coisas e vai lá falar com ela!
Sorrio e bato à porta fechada do quarto da Liliana. Ouço uma voz irritada:
— Agora não, Madalena! Estou a estudar!
— Ok!... Eu volto depois… — digo eu.
De dentro do quarto ouço um barulho de papelada a cair e de passos apressados. A porta abre-se e, no mesmo instante, tenho dois braços à volta do pescoço e os lábios da Liliana em contacto com os meus. Sou encostado contra a parede do corredor e deixo-me envolver pela paixão daquele momento. Subitamente, ouço uma voz que me traz de volta ao mundo real:
— Então, então?! Até parece que vocês vivem muito longe um do outro! Realmente, oito andares é uma distância interminável…
— Está bem, Madalena! Fecha os olhos se não queres ver! — diz Liliana, com um sorriso maldoso. Madalena ri-se e entra no seu quarto.
Viro-me para a bela rapariga à minha frente e fico a contemplá-la. Será possível que ela esteja realmente aqui? Puxo-a mais para mim.
— Não queres fazer um intervalo para irmos dar uma volta? — pergunto-lhe ao ouvido — Eu estou farto de estudar!
— Vamos! Estás muito branco! Precisas de apanhar Sol! Deixa-me ir só buscar a carteira… — responde ela tocando com os dedos no meu rosto.
Saímos. O meu braço desliza-lhe pelas costas e envolve-lhe a cintura. Caminhamos assim juntos em direcção ao rio.

sábado, junho 25, 2005

O começo de nova vida

Olá sou a Vitória e aluguei o 6º F. Tenho 18 anos e vim de uma aldeia da Beira Interior contra a vontade dos meus pais, para vir estudar Design.
Eles sabem que esta é uma viagem sem regresso, sabem bem que só lá voltarei quando for alguém na vida. Não me estou a ver a trabalhar no campo como o resto das mulheres lá da aldeia.
Quero viver aqui, na cidade grande, quero ser alguém neste mundo. Encontrar o homem da minha vida, aquele a quem me vou dar e que vai gostar tanto de mim que, vai querer ficar comigo para o resto da vida. Acho que isto não é pedir muito.
Gosto deste meu novo lar, com o dinheiro que tinha guardado e mais a bolsa de estudo já deu para comprar alguma coisinha. Na sala já tenho o sofá e a TV, tenho de comprar uns tapetes, uns quadros para ver se fica com um ar mais animado. Mas o que eu gosto mesmo é do meu quarto, tem uma janela grande que da quase para ver a cidade toda e em especial o jardim aqui do bairro, coloquei a cama de frente para ela para acordar com os raios de sol a bater-me no rosto e também para ver o que se passa na rua sem dar muito nas vistas.
Desde que cheguei ao prédio ainda só vi dois vizinhos. Uma senhora que deve ter uns 30 anos, acho que ela vive no 5 andar, vi-a ontem no elevador quando eu estava a sair para fazer compras, deve ter um trabalho importante pois veste-se muito bem e usa um perfume que tem “cheiro de ser caro”. O outro vizinho é o que mora mesmo aqui ao lado, mas a esse mal lhe vi a cara, mas deve de dar muitas festas ou reuniões, pois tem sempre gente a sair lá de casa. Quando der acho que vou lá pedir uma chávena de farinha ou alguma coisa do tipo, para ver o que se passa por lá.
Tenho que ir estudar, mas faz tanto calor que nem com as janelas todas abertas fico mais fresca. Já pensei andar nua pela casa, mas se alguém me vê?! Sei que moro num andar alto, mas às vezes imagino que alguém me está a espreitar por aquele óculo que se usa para ver quem está a bater à porta.

quarta-feira, junho 22, 2005

Não consigo partir...

Pedi ao taxista que me deixa-se um pouco antes da entrada do prédio...ainda não escureceu na totalidade e o ar tem aquele peso que adivinha uma trovoada. Não consigo fugir...quero e não consigo...acho que a minha vontade era ser esquecida por todos os que me conhecem, mas não ir para longe...poderia recomeçar mesmo ali...
Recuso a ajuda para me levar as malas até ao prédio...prefiro ser eu a fazê-lo...
Abro os estores e as janelas mal entro em casa, cheira a solidão e isolamento, o meu cheiro antes de ir embora estes dias...recarreguei baterias...deixo-me cair em cima da cama enquanto as sandálias fazem um baque ao cair no chão despido...estou de volta...será que vou conseguir fazer as mudanças a que me propus? Dentro da bolsa o novo telemóvel que apenas a familia e os amigos mais chegados têm o número...dentro da gaveta o velho telemóvel desligado faz tempo...mostrando que quer ser esquecido ou que partiu...preciso de tempo para me habituar á ideia...

Vende-se

ainda não sei quel é o meu andar, só sei que é o qualquer coisa esquerdo. eu só moro em esquerdos, manias, superstições, chamem-lhe o que quiserem. Vou vender este andar. Não que não goste de aqui viver, ou passar, pois viver realmente nunca vivo, passo por aqui sempre de partida... as raízes em terra a mim não me fixam. aceito propostas, não quero muito dinheiro, só quero estar solta.

sexta-feira, junho 17, 2005

João: hoje falo eu :)

O prédio tema andado calmito! Vejo poucos vizinhos no elevador, não encontro ninguém nos corredores! será do calor?

Hoje quando me levantei, preparei-me para ir trabalhar, mas não consegui sair de casa, sem antes me voltar a deitar ao lado dela. Fiquei a ve-la dormir, estava calma, leve, bonita! Não consegui desviar os olhos do corpo dela, percorri-o, apreciei-o...vi que a amo mais do que tudo! Quis abraça-la mas tive medo de acordar, então apenas percorri a minha mão pelos cablos dela, beijei-lhe o ombro despido, beijei-lhe os lábios... ela acordou e disso "Bom dia!" ainda meio estremunhada pelo sono!
Pousei-lhe a mão nos olhos e disse: "Dorme!" e ela qual criança sonolenta virou-se de lado e continuou a dormir, coçando o nariz com as costas da mão...como sempre faz antes de adormecer!

Sai de casa, meti-me no elevador e fui para o hospital...vou chegar atrasado, mas o meu dia já está ganho!

João, 3º dto

quinta-feira, junho 16, 2005

Ernesto Saraiva consegue sentir?

Já olho para esta mulher que jaz ao meu lado como outra mulher do passado. Já a amei da mesma forma que aconteceu com todas as outras que passaram pela minha vida. Começa por onde e acaba quando? Os inícios são permanentemente todos iguais. Sempre a mesma simpatia inicial. Um sorriso. Um olhar também ele lânguido. Depois um flirt. Para ver no que vai dar isto tudo. Um copo num bar qualquer de uma esquina envidraçada com letras a neon e já passamos aqui para o meu apartamento. Depois amo-a. Com toda a intensidade que é possível para um homem entroncar algo deste cariz dentro dele mesmo. Tudo centrado na minha tesão. Sinto-me entesar-me todo e lá passamos para os princípios do fim. A ritmos sincopados com os dela. Depois acabou. Ela pressente-o no momento em que me venho. E eu ainda acredito em nós naqueles segundos que nunca mais acabam. Mas depois termina a minha crença naquele amor. Acabou. Acabou tudo. Venha outro assim.

segunda-feira, junho 13, 2005

Comunicado

Boa tarde a todos, ou boa noite ou bom dia, o que quer que seja. Ora bem, é com alguma satisfação que observo que este espaço já ganhou vida própria e uma dinâmica muito especial, no entanto observo que aconteceram algumas coisitas que não era suposto acontecer.
Não se preocuparam nem um pouco em respeitar as regras que tinham sido estabelecidas, o que gerou uma total anarquia na publicação de textos, o que por sua vez me foi manifestado em alguns dos emails que recebi de alguns dos colaboradores. Assim não pode ser. Sendo assim resolvi nomear mais um admnistrador. Ficarão a conhecê-lo nos próximos dias.

Ps: Senhora porteira, envie-me um email, para discutirmos os seus honorários.

Passem bem.

sexta-feira, junho 10, 2005

Mais um dia...

Soube que a D.Margarida vai voltar a estudar!! Fiquei contente por ela e já lhe ofereci ajuda, afinal tenho algum tempo livre! :)

O meu programa de rádio começou. Esta semana entrevistei um músico de rua, um artista do Conservatório que não consegiu manter-se em linha recta, vive agora na rua, toca para quem passa, estende a mão e pede... ainda por cima tem um talento excepcional...desperdiçado nas malhas da droga!!!
No próximo programa terei em frente ao microfone um contador de histórias para crianças! E já fui ao 5º B, convidar a artista, a pintora, minha vizinha...estou à epsera da resposta!

O João anda empolgado com a gravidez, sempre teve um fascinio por pediatria,mas acabou por optar por cirurgia...
O Sebastião já está melhor, ficou magrinho o meu "cãozinho", mas recupera já... ontem fartou-se de correr...atrás de um gato, fiquei fula por andar atrás dele!!

AH! a fechadura foi mudada!!

Toco à campainha, "Como recompensa por teres reclamado da fechadura, toma lá um estetoscópio! :) "

Rita

segunda-feira, junho 06, 2005

O misterio da fotografia

Estou fora nem há uma semana e quando regresso eis que soube agora das novidades neste predio: a Margarida na Portaria, um vizinho novo no 6º andar, um amor entre dois jovens...
Falando da Margarida, fiquei muito feliz por ela e por nós, porque sei que vai dar conta do recado!
E por falar nela, lembro-me logo do Sr José, parece que até agora as investigações ainda nao deram em nada...
Parece-me tambem que o senhor que comprou o 6º andar, só cá vem aos fins de semana e é caçador.
E a Liliana e o Mario, dois jovens apaixonados, o amor´quando é assim como o deles vale a pena vivê-lo!
A Margarida tambem me disse que encontrou nas coisas do Sr José a foto da senhora que ele procurou no Porto e nunca encontrou...ao que parece desse amor nasceu uma criança, que o Sr José nunca conheceu... eu bem dizia que aquele olhar triste e a enorme solidao podiam muito bem ser devidos à dor de um coração despedaçado por um grande amor.
Mas mais intrigada fiquei quando ela me disse que viu essa foto cá no predio, sim, viu-a na entrada do apartamento da cave. Ainda nao me cruzei com o habitante da cave mas pelo que a Margarida me disse parece que ele evita cruzar-se com os habitantes do predio. Como veio ele cá parar? será que sabia que o Sr José era pai dele? é muita coincidencia ter vindo parar a este predio...é ele de certeza o filho que nasceu desse amor do Sr José.
Já disse a Margarida que vou tentar saber mais desse rapaz...

sexta-feira, junho 03, 2005

vida de todos os dias...

Tenho andado cheia de trabalho, finalmente consegui um programa meu lá na rádio! Vai ser um trabalho de entrevistas e de música lá pelo meio, ainda não sei bem... mas vou querer entrevistar alguém não muito conhecido...talvez a vizinha artista aqui do prédio, acho que vou falar com ela!
No outro dia, fui como João tomar café com o miúdo que estuda medicina...simpático ele, estudioso, parece ter queda para ser médico...ou então é da paixão, aquela Liliana esta-lhe a dar a volta à cabeça!!!
Quanto à morte do porteiro continua tudo em suspense, não se sabe de nada...tenho pena que assim seja. O lugar dela não está vazio, gosto da nova porteira, não tem um olhar feliz, mas esforça-se por não ter um sorriso amarelo!

o meu Sebastião anda a travar amizade com um outro cão aqui do prédio, mas ha dois dias que anda em baixo, tenho que o levar ao veterinario...
E quem também tem que ir ao médico sou eu... este que tenho cá em casa pôs-me com enjoos e vomitos...mas sinto-me feliz!!!

quinta-feira, junho 02, 2005

In Between Drems

Estudar Bioquímica… Passo os meus olhos de substrato a produto… De enzima a cofactor… Os meus olhos dançam de nome complicado para nome mais complicado. Entro no ciclo de Krebs e deixo-me levar pelo caminho a que ele me conduz. Ando às voltas, às voltas e às voltas. Nada muda dentro de mim… Não admira que lhe chamem “ciclo”… Mas as voltas entre o ácido oxaloacético e o ácido cítrico transformaram-se em voltas e voltas à cadeira. Paro de girar. Estou tonto! Tonto de estudar? Talvez não…
Levanto-me da cadeira e paro diante do espelho… Estou cansado. Manifestamente cansado. Atravesso o meu quarto/sala/cozinha e entro na outra divisão do meu modesto apartamento – a casa de banho.
Tiro as roupas e entro na banheira para um duche refrescante. As ideias começam a organizar-se lentamente na minha cabeça. Os problemas parecem encolher com o contacto da água. Saio da banheira, seco-me com a toalha e enrolo-a à volta da cintura.
Volto a entrar no quarto e a campainha toca. Dirijo-me à porta, e abro-a ligeiramente. Do outro lado, vejo, numa fracção de segundo, uma rapariga morena, de cabelos lisos, olhos grandes e brilhantes, que ficam ainda maiores ao captarem a imagem projectada pela minha pessoa.
Eu deixo que a minha face se molde num sorriso e digo:
— Liliana!...
— Ah! Desculpa! Eu vinha só devolver-te o CD do Jack Johnson!...
Sim… Já nos conhecemos… No outro dia, encontrei-a a entrar no prédio quando eu ia a sair. Acabei por me apresentar e perguntar-lhe o nome. Depois perguntei-lhe se ela não queria vir dar um passeio a pé comigo. Ela aceitou e fomos para a baixa trocar palavras, pensamentos, gostos, silêncios. Acabei por lhe emprestar o CD “In Between Drems” de Jack Johnson, quando cheguei a casa.
— Deixa estar! Não faz mal! Entra, entra!
— Não, não! Tu estás ocupado!
— Ocupado? Já acabei o meu duche!
— Mas deves ter que estudar…
Ah, sim… O estudo… Essa corda que nos puxa e impede de voar para mundos imaginários.
— Não! A neoglicogénese pode esperar! — digo eu — Entra e não repares na desarrumação, por favor… Espera só um bocadinho para eu vestir umas calças… E desculpa lá a figura em que estou!
— Não faz mal! Eu tapo os olhos… — diz ela, com a voz hesitante e corando ligeiramente.