terça-feira, outubro 04, 2005

Crónica de uma morte anunciada

Diziam que não sabiam quem era...

Sempre lhe disseram e confirmaram que um dever a prendia ao Mar. Algo do seu passado, de uma possível existência noutra era, alguma coisa fez e ficou presa. Sempre lhe disseram que a chamavam e um dia não resistiria ao chamamento. Acreditava que era ele que a aguardava. Propuseram-lhe feitiços, pagamentos, pediram-lhe que se soltasse... nunca quis. Não porque não acreditasse no dever que a prendia, ou que não acreditasse na força do pagamento. Mas porque sentia que estava escrito que nunca deveria fugir a esse chamamento.

O outro, o que ficava em Terra era de Vento. Ela era de Água. Lá no meio do Verde onde foi sentida uma vez, disseram-lhe "nunca". Nunca se encontrariam neste Universo. Viviam, partilhavam, mas não se misturavam. Porque, ela, que era de Água, não podia fugir do outro que do Mar a chamava.

Um dia, entrou no Mar. E nunca mais voltou. Não era deste mundo, não lhe sentirão a falta. Morreu da morte mais aflitiva, a dos pulmões que se enchem de água, mas morreu nos braços dele. E, então, morreu feliz e em Paz.

dever: algo em nós, de espiritual mas que se demonstra de uma forma muito palpável, e que, segundo as tradições santomenses, nos prende a alguma coisa que provocámos no passado ou numa outra vida. Algo que, se não for pago, nos prenderá a uma existência perturbada e nunca completa. Para mais informações, ir a São Tomé ou à Quinta do Mocho e procurar um espírito aberto.

3 comentários:

Heavenlight disse...

Texto triste, mas sem dúvida belo e sublime, onde se confundem várias sensações. O que pertence ao mar no mar perecerá, e a vida em terra parece sempre deslocada, distante, recortada a pedaços que não se encaixarão ou jamais se poderão unir. Daí a morte completa no elemento primordial, pois será mais merecida que a morte lenta onde não nos conhecemos e nos não sentimos. Mas o vento... aquele que é vento impele a água a continuar a correr, dá força às ondas e voa na espuma causada pela rebentação. Não poderiam completar-se?
Sentirei saudades dessa presença que se sente como um ser esvoaçante, mas o mar já tem o seu trunfo.

Heavenlight disse...

P.S: É possível romper com essa linha do dever e quebrar as amarras da alma através de algo que normalmente não utilizamos em nosso benefício: o livre-arbítrio. Ele comanda todo o nosso percurso, antes, depois e sempre.

Luana.

I disse...

que texto tão estranho e tão bonito.tantas, mas tantas vezes que já senti que "o dever" existe...apenas não o chamava assim.