sábado, maio 14, 2005

Içar ferro

Estou de partida, mais uma vez. Não sei bem em dia zarpo, quando o vento estiver de feição. Não sei bem qual era o dia destinado a comunicar a minha partida, arrisco hoje. Queria convidar os meus vizinhos para um almoço de "até já". Quando partes para o Mar, nunca dizes "adeus". Um almoço não é muito usual, mas eu prefiro-o aos jantares. O dia pode alongar-se, a noite entrar pelo almoço adentro. O Sol que bate na vidraça poderá deixar entrar o luar. Não gosto de barulho, nem de o fazer, nem de o ouvir. Habituei-me ao silêncio da vaga larga que quebra na amura e dos ventos que, por aqui, quase sempre sopram de norte. Por isso escolho o almoço. O dia e a luz. Corro menos o risco de incomodar alguém que tente dormir. Teremos pilado e perceves dos Farilhões, peixo porco, cavala e talvez mesmo um robalo, pescado ali nas Estelas. Antigamente, bastava colocar os óculos e ficar atento ao canal. Haveria sempre de por ali rondar um cardume deles. Grandes, muitos e muito grandes, como há 20 anos não vejo. Agora, se pescar algum, só isso será a festa! Filetes de peixe porco... não sei onde anda a minha tábua pregada de amanhar o bicho. Serei mordida quando o arrancar, à força bruta, do anzol. Enquanto a caixa de madeira se for enchendo de cada vez mais um, ouvirei o seu roncar, se fechar os olhos, sou capaz de até pensar que voltei a ser criança e ando na quinta com os meus primos a brincar nas pocilgas. Eram os nossos tratamentos de SPA. Bom ou mau, a verdade é que depois desses tratamentos de lama, passávamos um ano inteiro sem alergias, sem bronquites, sem ranhos no nariz. Sem estas coisas esquisitas de que as crianças de agora padecem. Era, também, no tempo em que saltávamos para o dorso dos bois e nos deixávamos embalar naquele seu passo trôpego. Chegávamos ao pomar e comíamos quantas pêras verdes nos coubessem na barriga. São tempos que ficaram para trás. Virei as costas ao verde e parti rumo ao infinito do azul. Aquele infinito que vemos lá, onde o Céu toca o Mar, mas que nunca alcançamos. Um dia, sei que serei corpo feito cinza. Nesse dia voarei de encontro desse infinito. Levada pelos ventos, sei que que chegarei. Será então, o descanço final. Até lá, vou mandando postais dos portos onde lançar ferro.

4 comentários:

Drifter disse...

Sem dúvida que vou comparecer ao almoço! Tenho que começar a conhecer os meus vizinhos. Apesar de ter muita coisa para estudar e uma data de trabalhos para fazer, tenho que aumentar o meu suplemento de potássio por causa da memória. Para isso há que comer peixe. Não vou faltar a esse almoço com aromas oceânicos. Já estou com saudades de comer um bom peixe. Isto de comer em cantinas de faculdades e de hospitais durante a semana toda não é lá muito nutritivo.
Sim, vou ao almoço para comer bem e para te desejar boa viagem!

Ana João disse...

Eu também aceito esse convite para uma boa almoçarada entre vizinhos...
há que marcar o dia...o JOão pode estar no hospital...ou eu na rádio. :)
mas concerteza que quero comparecer, os dias cá em casa as vezes são muito compridos, não fosse o Sebastião...

Rita (3ºdto)

Nandita disse...

Por mim aceito! Se estiver cá... uma vez que vou passar uns dias à província. Mas se não houver coincidencia de calendarios, la estarei para desejar boa sorte ;)

maresia disse...

mas quem falou em abandonar?? quem está preso ao mar, vai e vem com as marés.