domingo, maio 29, 2005

Liliana e o misterioso rapaz do elevador

Ali estava eu,comodamente sentada à escrivaninha,a acabar o trabalho de casa de matemática,quando entra Liliana,a minha irmã.
Ali estava Liliana,a porta atrás dela brutalmente escancarada,o cabelo em total desalinho.A cara estava vermelha,completamente vermelha,como se tivesse acabado de dar a volta ao mundo em meia hora.Afogueada,respirava com visível dificuldade.
Vê-la ali,especada à porta,naquelas condições,fez despertar em mim uma estranha espécie de amor fraternal,uma doce compaixão pela minha irmãzita,que tantas vezes conseguia ser mais infantil do que eu.
-Liliana,que aconteceu?Sentes-te bem?Que andaste a fazer?Lembraste-te de subir as escadas em vez de apanhar o elevador,foi?
-Não-disse ela.Fechando a porta atrás de si,deixou-se escorregar para o chão,com um ar devastado.Juro que,em catorze anos de convivência com Liliana,nunca a tinha visto assim,tão estranha,tão ansiosa,tão...afogueada.
Abandonando os monómios e os polinómios e as equações de primeiro grau,ajoelhei-me ao lado dela,aproximando-me da sua cara vermelha e inchada.
-Lili,que se passou?Parece que viste um monstro,ou,sei lá,que vieste a correr desde o Algarve até aqui.Sentes-te bem?Queres alguma coisa?Um copo de água?
-Não.
Pousei a minha mão no seu ombro,e ela sorriu.Um sorriso leve,tímido,ingénuo.Os seus olhos brilharam,com uma leveza romântica,um brilho afectuoso.Passou-me a mão pelo cabelo.
-Ah,Madalena,se soubesses quão bom é ser-se adolescente!
Franzi o sobrolho.«Eu SOU adolescente»,pensei.Mas que diabo deu a esta rapariga,que já nem sabe a quantas anda?
Tentei mudar de atitude,assumindo uma posição ligeiramente mais maternal.
-Sabes,podes contar comigo,podes confiar em mim.Eu sou tua irmã,mas também sou tua amiga.Começas a deixar-me preocupada.Primeiro entras de rompante com ar de quem acabou de correr a meia-maratona,depois atiraste para o chão a sorrir.Talvez fosse altura de procurares um médico,ou de falares comigo.
Ela riu-se.
-Ora,não te preocupes,eu estou bem.Estou bem, a sério.Podes voltar para a tua matemática,e para as tuas equações,e as fracções e as potências e...podes acabar de estudar.Vá,vai lá,que eu vou ficar por aqui a...sonhar só um bocadinho.
«Sonhar só um bocadinho»?!Ora,a minha irmã costuma ser a«Miss Realismo»,a«Sra.Pressas e Impaciências»,e agora vai...sonhar?
-Liliana!-exclamei-é melhor contares-me o que é,olha que não etsou a gostar nada disto,a sério!
Ela riu-se.Levantou-se do chão,ajeitou o cabelo.Sorriu.Sim,agora,com o cabelo no lugar e um sorriso pequinino no rosto,parecia mais ela.
-Sabes,hoje eu,eu...eu apanhei o elevador quando vinha da escola.
-Sim,apanhaste o elevador.É o que fazes todos os dias.Eu também o faço,e não me sinto nos píncaros da Lua por isso.
-Espera,deixa-me acabar-parou para inspirar-ora,quando eu ia a entrar em casa,não é que aparece...apareceu o....o...
-O...
-O novo inquilino-sorriu.
Neste ponto,a cara de Liliana parecia uma bolacha-maria gigante,com um grande sorriso nela estampado. Comecei,finalmente,a associar tudo na minha cabeça,e a compreender.
-Ah....-exclamei.
-Ah...-disse ela.
Ah,com que então,tínhamos em mãos um assunto de calças.Sim,agora compreendia.
-Ah,então...estás apaixonada!
Ela olhou-me,com uma expressão de puro terror no rosto.Para estas raparigas,puramente práticas e 100%racionais,o amor parece ser o maior perigo,a maior armadilha da vida.
-Não!Eu só o vi uma vez.Achei-lhe piada,só isso.Parece tem para aí a minha idade,e levava um livro de anatomia debaixo do braço,por isso deve estudar medicina.Pareceu-me ser bom rapaz...acho que podemos ser amigos.
Deitei-me na cama,apoiando a cabeça com as mãos.E sorri.Ah,os jovens de hoje em dia!
-Ah,foi?
-Foi.Só isso.
-E então falaste com ele?
-Hm...não propriamente.
-Não propriamente?
-Não.
-Hm....que sabes sobre ele?
-Nada.
-Nada?
-Nadinha.
-Mas nada mesmo?Nada de nada?
-Oh Madalena!
-Hm...estás apaixonada!
Ela atirou-me com uma almofada à cabeça,a mesma expressão assustada no rosto.
-Madalena!Já disse que não estou!Achei-o giro,mais nada.Eu não sou personagem daqueles romances lamechas que tu lês.Sou uma rapariga de carne e osso.Um amor platónico morre logo ao primeiro incêndio.
Sorri,mais para mim própria do que para ela.A minha irmã estava apaixonada.Sim,apaixonada.Confesso-nunca julgara que fosse algo que acabasse realmente por acontecer.Ela era sempre tão fria,tão controlada.Tudo no seu sítio,a vida escrupulosamente arrumada,nem um fio de cabelo fora do lugar.E agora,isto.Este rapaz.Sim,a Liliana estaá apaixonada.
Ou é o fim do mundo,ou o começo de uma nova era...

2 comentários:

Anónimo disse...

Que bom! Já me tinha esquecido de como é bom sentir o despertar de um amor singelo!
Felicidades

margarida

Drifter disse...

Uuui!
Esta história está a ficar bonita! ;)
Novos desenvolvimentos no próximo post. Ou não... ;)