segunda-feira, agosto 29, 2005

"Pensamentos Secretos" de Ernesto Saraiva

Sou Ernesto Saraiva. E sou homem que não admite esperar. Apresso-me a viver em bocadinhos aquilo que não posso viver por inteiro. Por razões previsíveis. Bocadinhos espontâneos. Bocadinhos inteiros por eles próprios. Mas cedi num dia desta semana. Esperei ali na fnak por uma menina com ares de mulher que já o era ainda que não fosse madura madura. Assim mais para o verdinho torneado de 25 anos. Queria ela dar um toque semi intelectual ao encontro que tinha concertado e provocado. Ainda que sem muitos obstáculos da minha parte. Apelava a um homem mais velho. Pareceu-me que tinha devorado demasiados filmes franceses de uma vaga que já nem eu me recordo. Dizia-me que antes de tudo isto acontecer num passado mais recente que à noite tocava-se fantasiando que era um homem mais velho que o fazia por ela. Também me disse que quando me conheceu logo nessa noite passei a ser esse homem que se situava na ponta dos dedos dela nesses momentos isolados. Não me importei com as expectativas hipoteticamente criadas. As mulheres também mentem muitas vezes só para fazer um pouco de manipulação comportamental. Chamo a isso de sobrevivência de um equilíbrio mais ou menos saudável entre géneros opostos considerados (absurdamente) complementares. Isto perante um pré-juízo quase infantil sobre os dois sexos. Por isso é que desvalorizo muitas vezes o que elas me dizem. Principalmente quando se referem a sentimentos. Mas eu próprio quando quero sei fingir intimidade. E isso também pode ser manipulador. E também sei que todas as mulheres querem saber que estão a ser tocadas e não vagamente penetradas. O homem para penetrá-las tem de tocá-las. Por isso teve de tomar gosto ao tocar. À pele. Isto apesar do sentido fálico que tem bastante intenso em si mesmo. Mas já estou a vaguear do essencial. E o essencial enquanto esperava pacientemente não esteve relacionado com engates nem com sexo. Quer dizer. Só um pouco. O que se passou enquanto a esperava. Isso é que importa. Ela atrasou-se. Bastante. Não sei se propositadamente. E enquanto esperava por ela comecei a folhear livros. Até que peguei num de um autor chamado David Lodge. Abri esse livro por e ao acaso e os meus olhos pregaram-se subitamente em algo que me deixou estarrecido. Referia-se à regra dos 4 C´s. E o que é que significava? O que estava lá escrito era que o homem vivia basicamente para concretizar 4 objectivos. Todos eles em forma de verbo. Comer. Copular. Cagar. Combater. E depois comecei a pensar em algo surpreendente. Pelo menos vindo de mim mesmo. Normalmente sou mais básico. Como os homens em geral gosto de simplificar as coisas. Não quer dizer que seja um idiota. Nem que todos os homens o sejam. Só não gostamos de complicar. De dissecar. Mas retornando ao racíocinio em questão. Na tradução original seria a regra dos 4 T´s. To eat. To Fuck. To shit. To fight. Mas todos os actos humanos naquela língua começam da mesma forma. To sleep. To denial. To breath. To change. To find. To increase. To..... Significa isso que são actos também eles principais? Ou são actos periféricos aos actos centrais estes por sua vez interligados directamente com a sobrevivência da espécie humana? O meu pensamento para entreter foi interrompido subitamente por outra diversão. A rapariga-mulher chegou. To see, to speak e to walk to the building interligaram-se com o to fuck. Acto este um dos principais que ocupa grande parte dos meus "Pensamentos Secretos" (era este o título do livro). Embora o objectivo inicial de termos tanto prazer e tanta vontade nesse acto esteja enraízado na reprodução. E que os seres de vida expelidos pelo meu corpo e que passam por curtos rasgos temporais espero eu que não cresçam nem se multipliquem mais tarde. Isto numa acepção biblíca relacionada com o objectivo da copulação. Assim o fornicar é viver. O copular é dar vida.


Introduzimo-nos a ambos no prédio onde os meus engates se concretizam. Olho directamente para a porteira. Ela devolve-me um olhar desconfiado mas também directo. Um pouco fulminante. Já deve ter elaborado várias elucubruções sobre o meu modo de vida. Que não devem andar muito afastadas da realidade. O porteiro anterior faleceu há já algum tempo. Provavelmente deve ser uma profissão de risco. A primeira conclusão da polícia nestes casos é sempre o suícidio. Mas depois verificam o local do crime e o corpo e chegam por vezes a outros indícios mais interessantes.Mas interessante foi sentir algo estranho no outro dia. Senti-me observado. Enquanto partilhava activamente o meu leito com uma das minhas companheiras. E pensei logo num espectro. Precisamente o do porteiro. O que pareceu-me ridículo. A forma do caminho que o meu raciocínio estava a tomar. Admito que sou um homem que se sentia amedrontado facilmente quando confrontado com esses fenómenos. Bastava a mera menção e começava a suar. De terror. Até esse dia. Olhei para o lado e o espectro da minha imaginação transformou-se em algo mais palpável. Palpável não. Era algo que me deixou fascinado pela sua suposta existência/não existência. Estava quase a vir-me e comecei a entrar naquele ponto de ebulição já conhecido. Assustado e excitado. Dois sentimentos que tomaram parte de mim naquele momento. O espectro tomava vigilância no acto. E eu tinha o cérebro dividido em dois. Vim-me ao mesmo tempo que lhe ordenava em brados elevados para que ele se afastasse e não se intrometesse nos meus assuntos privados. A minha companheira deve ter pensado que era doido. Varrido mental. Varrido de vez. Depois disso já pensei em ir a um psicólogo. Nem sei se foi algo que inventei. Se é o fantasma da consciência a entrar na minha vida passados estes anos todos. Mas porque é que esse fantasma ía ser igual ao porteiro?

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